Usinas Termoelétrica - Entrevista

Complexo Termelétrico de Candiota: ‘Uma licença nula por natureza’. Entrevista com Paula Schirmer

     Ainda que o debate seja atual, a história do complexo termelétrico de Candiota [1], na zona sul do Rio Grande do Sul, começa ainda na década de 1950.
     Dividida em fase A, que possui duas unidades que produzem 63 megawatts de energia; e fase B, que também possui duas unidades, porém cada uma delas com potencial para gerar 160 megawatts, o complexo sempre esteve cercado de polêmicas envolvendo o risco e os problemas que causam ao meio ambiente da região.
     Ainda assim, em dezembro de 2010, foi dada a licença ambiental para o funcionamento da fase C, também conhecida com Candiota III, que tem capacidade de geração de 350 megawatts.
     Diante desse cenário, o Ministério Público Federal enviou recomendação ao Ibama estabelecendo prazo de 15 dias para suspender a operação das Fases A e B e indicando a anulação da Licença de Operação da Fase C.
     Quem assina a recomendação é a Procuradora da República do Ministério Público Federal Paula Schirmer que concedeu entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, explicando como organizou a recomendação apresentada.
     “Esse caso já vem sendo acompanhado pelo Ministério Público há bastante tempo. O inquérito civil-público tramita desde 2004, quando se teve a primeira notícia de infração ambiental das fases A e B do Complexo Termelétrico de Candiota. Então, a partir desta constatação, para possibilitar a readequação ambiental do empreendimento, o Ibama firmou um termo de compromisso com a Companhia de Geração Termelétrica de Energia Elétrica – CGTEE, cujas condições, até este momento, não foram cumpridas”, conta.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a sua análise do caso do Complexo Termelétrico Candiota?

Paula Schirmer – Esse caso já vem sendo acompanhado pelo Ministério Público há bastante tempo. O inquérito civil-público tramita desde 2004, quando se teve a primeira notícia de infração ambiental das fases A e B do Complexo Termelétrico de Candiota. Então, a partir desta constatação, para possibilitar a readequação ambiental do empreendimento, o Ibama firmou um termo de compromisso com a Companhia de Geração Termelétrica de Energia Elétrica – CGTEE, cujas condições, até este momento, não foram cumpridas. Assim, o termo de compromisso perdeu a validade. Após novas vistorias e novos pareceres técnicos dos próprios analistas do Ibama se constatou que o índice de poluições atmosféricas só aumentou e vem aumentando. Todos os prognósticos feitos pelo órgão mostram que o índice já está acima dos limites e que só tende a aumentar, considerando ainda que o prognóstico do cenário da fase C funcionando em conjunto com as fases A e B foi considerado intolerável pelo próprio Ibama.

Essas informações foram recebidas pelo Ministério Público Federal no segundo semestre de 2010, mesmo diante deste cenário em que o próprio Ibama notificou a CGTEE por infração administrativa informando que o cenário de funcionamento das três fases é intolerável, ou seja, explicando que não é possível conceder a licença de operação para a fase C, sem regularizar a questão ambiental da fase A e B. No entanto, foi concedida a licença para operar, ou seja, ignorando todo o corpo técnico do Ibama, destituída de qualquer fundamento técnico e legal, afrontando a lei e a Constituição e todo e qualquer princípio de direito ambiental. É uma licença nula por natureza. O que o Ministério Público quer é justamente que o Ibama cumpra o seu papel e o que ele, através do seu corpo técnico, disse que era necessário fazer.

IHU On-Line – Quais os principais danos socioambientais se apresentam nesse projeto?

Paula Schirmer – O Complexo Termoelétrico de Candiota iniciou ainda na década de 1960. Ele é um projeto muito antigo. O projeto da fase C foi iniciado no início da década de 1980, antes da regulamentação ambiental que temos hoje. Depois, foi realizada uma reestruturação do projeto, até que em 2004 foi iniciado o procedimento de licenciamento ambiental. Por isso, ele foi se fracionando e se desmembrou em licenciamento fase A, B e C.

Vivemos aqui na região um sério problema de estiagem, atualmente. Candiota, onde se situa um empreendimento, está passando por racionamento de água durante 13 horas por dia. Há, portanto, um sério comprometimento dos recursos hídricos. Além de agravar essa situação, o empreendimento vai trazer uma profunda poluição atmosférica. As emissões que apontam ali, já há muito tempo, segundo o Ibama, estão ultrapassando qualquer limite tolerável pela legislação. Combinados, os gases de efeito estufa emitidos pelo complexo geram a chuva ácida.

É preciso possibilitar a adequação ambiental do empreendimento. E há notícias, tanto no Brasil quanto no Uruguai, de suspeitas de danos à população, por causar doenças tanto respiratórias quanto de pele, que são características desses poluentes. No entanto, não há dados certos, porque não há monitoramento atmosférico, e isso deveria ter sido feito desde o início. Durante a última vistoria do Ibama, entre setembro e outubro de 2010, se constatou que os equipamentos de monitoramento atmosférico não estavam sequer calibrados. O principio básico do direito ambiental, que é o da precaução, diz que se há incerteza, a obra não pode ser aprovada.

IHU On-Line – Para a obra ser liberada, o que o IBAMA e a Companhia de Geração Termelétrica de Energia Elétrica precisam fazer?

Paula Schirmer – É importante ressaltar que essas recomendações dirigidas ao Ibama não são condições que foram ditas primeiramente pelo Ministério Público Federal ou cuja fonte sejam órgãos externos. O que se recomendou ao Ibama foi o cumprimento daquilo que o próprio instituto e seus analistas periciais disseram. Eles produziram notas técnicas, relatórios, pareceres que deveriam, segundo a lei, subsidiar a decisão da presidência do Ibama, que é quem assina as licenças.

A lei diz que uma licença só pode ser assinada depois de parecer técnico conclusivo, após o cumprimento de todas as condicionantes. Mas o que vimos foi totalmente o contrário, vimos uma subversão total da lei e dos princípios ambientais. Por isso, queremos que o Ibama cumpra seu papel e faça o que sua própria autarquia diz que deve ser feito. E uma dessas condições é um estudo da saturação da bacia aérea – a área de impacto – porque se teme que ela esteja saturada. Basta, portanto, cumprir as condicionantes que desde o inicio foram estabelecidas pelo próprio Ibama.

IHU On-Line – Como você passou a se envolver com esse projeto?

Paula Schirmer – Atuo na Procuradoria da República do Ministério Público Federal desde 2009. Quando assumi já havia um inquérito civil-público em tramitação. Desde 2004 ele tramita aqui e vem questionando o Ibama e o empreendedor sobre a obra. Desde que estou junto a esse processo, percebo que o Ibama tem se revelado omisso aos questionamentos enviados pelo Ministério Público Federal.

IHU On-Line – Em função da instalação de outros empreendimentos do mesmo gênero na região, quais suas recomendações?

Paula Schirmer – Todos os empreendimentos que estão com a intenção ou já iniciaram o processamento de licenciamento no Ibama têm, no MP, um inquérito civil-público especifico que vem requisitando e acompanhando os pareceres técnicos. Eles ainda estão em fase de licença prévia e elaboração de estudo de impacto ambiental. Para evitar o dano, e se suscite a tese do fato consumado, nós estamos acopanhando desde o início.

Publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico no EcoDebate na socialização da informação.

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